Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

A defesa de Dilma Rousseff no Senado: um discurso para entrar na história

Foto: EVARISTO SA / AFP

Foto: EVARISTO SA / AFP

No dia 29 de agosto de 2016, a presidente afastada Dilma Rousseff fez o seu discurso de defesa no Senado Federal contra o processo de impeachment. Processo este iniciado em dezembro de 2015, quando o então presidente do Congresso Nacional, o deputado Eduardo Cunha acolheu o controverso pedido de afastamento da presidente Dilma. De fato, “não há como fazer política sem discurso. O espaço privilegiado da fala constitui uma das razões para a luta simbólica pelo poder” (PANKE, 2010, p. 19). Se por vezes Dilma Rousseff deu a entender em seu discurso que todo o processo de impeachment seria um jogo de cartas marcadas, fez dele o espaço para denunciar ataques não à si mesma, mas à democracia pela qual tanto lutou em seu passado e presente.

Assim, como proposta de análise, dividimos o discurso de Rousseff a partir dos vocativos utilizados, o que resultou em cinco blocos direcionados por vezes, mas não exclusivamente, ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, à Renan Calheiros, presidente do Senado Federal, às Senadoras e Senadores, e às cidadãs e cidadãos brasileiros.

Dilma Rousseff inicia seu discurso de forma ampla, dirigindo-se a quatro públicos distintos: Ricardo Lewandowski, Renan Calheiros, Senadoras e Senadores, e as cidadãs e os cidadãos brasileiros. Logo em seguida, a então presidente coloca-se como presidente democraticamente eleita, fazendo menção a recursos de maioria. Ou seja, o voto da maioria da população, 54 milhões de pessoas, não poderia ser desconsiderado naquele momento. Embora afirme em seu discurso que acredita na democracia e no Estado de Direito, ela segmenta seu governo exclusivamente em prol daqueles que a elegeram ao afirmar que “jamais (…) praticaria atos contrários aos interesses daqueles que me elegeram”. Dilma assume, ainda, ter cometido erros sem descrevê-los e em seguida caracteriza que seus erros são menos graves do que a covardia e a deslealdade de seus algozes, afirma de forma indireta a sua honestidade.

O segundo bloco foi direcionado especificamente às Senadoras e aos Senadores, responsáveis pelo julgamento do processo de impeachment, afirmando que não haveria crime de responsabilidade e que seu afastamento, caso concretizado, seria ilegítimo. Nesta linha, lembra que somente o povo, por meio de eleições democráticas, tem poder para afastar um presidente. Ataca o governo interino sem mencionar o nome de Michel Temer, alegando que ele representa uma ameaça às conquistas dos últimos anos, um apelo às minorias. Ao fim deste bloco, destaca que essas ameaças podem acarretar em vinte anos de prejuízos futuros para a população, coincidentemente, o mesmo período de duração da ditadura militar, vinte anos completos.

O terceiro bloco, direcionado ao ministro Ricardo Lewandowski e às Senadoras e Senadores, ataca um inimigo criado pelos governos de esquerda, a “elite conservadora”. Para Dilma, a crise iniciada em 2015 não era resultado de equívocos de seu governo, e sim da instabilidade política decorrente de uma aliança golpista encabeçada pelo ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, nome mencionado três vezes. Em contrapartida, o ex-presidente Lula é mencionado, possivelmente com o intuito de frisar idoneidade, uma vez que ambos propuseram leis que colaboraram com órgãos competentes a investigar e punir os perpetradores de crimes fiscais. Michel Temer não é citado diretamente, mas a então presidente induz-nos a enxergar a figura do vice quando afirma que “quem se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o Brasil”.

No quarto bloco, Rousseff volta a direcionar sua fala aos Senadores e Senadoras na tentava de desconstruir a tese pela qual estaria sendo acusada. Sua inocência residiria no fato de que as acusações contra ela se pautam em mudanças de interpretação ex-post facto. Neste momento, ela afirma que ainda que estivesse exercendo seu direito de defesa, o resultado do processo de julgamento do impeachment já estava decidido, seria um jogo de cartas marcadas. Para a então presidente “o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na essência”.

No quinto e último bloco, Dilma apela novamente aos Senadores e Senadoras afirmando que ainda recebia apoio popular. Embora diga que o apoio venha especialmente das mulheres, todo o povo estaria contra o dito golpe. Este julgamento é comparado àquele sofrido por ela durante a ditadura militar, mas desta vez ele decretaria sua “morte política”. Ainda, a condenação seria da democracia, e não dela. Ser a favor do impeachment significaria ser contra a democracia.

Em linhas gerais, Rousseff utilizou diferentes recursos de retórica, como as metáforas “o peso da injustiça” e “o gosto áspero e amargo da injustiça e do arbítrio” para defender-se de um processo que, seguindo ela, teve como base a retórica jurídica. Cunha, o estopim do processo de impeachment, é colocado como parte de um outro lado, do qual Dilma não faz parte. Ainda, a presidente buscou legitimar seu governo relacionando-o ao apelo popular do ex-presidente Lula, citando este nome e mencionando os anos de avanço do Brasil se deram em 13 anos de governo do Partido dos Trabalhadores. Contudo, seu discurso acaba sendo segmentado, uma vez que ela coloca a base de legitimidade de seu mandato apenas nos 54 milhões de votos, e não necessariamente em toda a população brasileira. Finalmente, Dilma relaciona o processo de impeachment, caso condenada, com a morte da democracia, pois ela estaria junto com a presidente no banco dos réus. De fato, se este julgamente foi apenas um jogo de cartas marcadas, o discurso de Rousseff se revelou, em grande parte, uma fala para entrar na história.

Ensaio escrito por:

* Pedro Chapaval Pimentel é especialista em Relações Internacionais e Diplomacia com mestrado em andamento em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná, na linha Comunicação, Política e Atores Coletivos.

** Bruno Washington Nichols é cientista político com mestrado em andamento em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná, na linha Comunicação, Política e Atores Coletivos.

Ambos os autores fazem parte do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral (CEL) da UFPR.

Referência bibliográfica:

* PANKE, Luciana. Lula, do sindicalismo à reeleição: um caso de comunicação, política e discurso. Guarapuava : Unicentro; São Paulo : Horizonte, 2010.