Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

Considerações sobre comunicação de Estado e de governo

A comunicação constitui um elemento essencial na construção das sociedades e também no jogo que envolve a chegada ou a permanência de agentes políticos no poder. No que diz respeito à comunicação entre governantes e governados, a comunicação pode ser empregada tanto como comunicação governamental, quanto como comunicação de Estado, ou estatal. Mas como distinguir uma da outra?

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Antes de falarmos sobre a comunicação em si, precisamos entender que governo é um dos elementos constitutivos do Estado, juntamente com território e nação. No Brasil, o governo é representado por cidadãos eleitos via sufrágio universal para mandatos temporários. No caso do Poder Executivo, o mandato tem a duração de quatro anos passíveis de renovação por outros quatro via novo processo eleitoral. De acordo com Weber (2017), o Legislativo possui mais recursos para empregar estratégias de comunicação,

Considerando que os estudos na área de comunicação são interdisciplinares e permitem variadas abordagens teóricas, as discussões a respeito da comunicação governamental e da comunicação de Estado parecem possuir fronteiras tênues ou não muito bem delimitadas até mesmo pelos teóricos da área. Inclusive, é possível encontrar autores empregando ambos os termos como se fossem intercambiáveis, sem quaisquer distinções entre eles.

Longe de estarem restritas à esfera acadêmica, as dificuldades em definir o que é comunicação de Estado e o que é comunicação de governo são encontradas, por exemplo, no imbróglio que envolveu a presidência da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) em meados de 2015. Naquele ano, discutiu-se se a empresa deveria ou se já estaria fazendo comunicação de governo. Houve, inclusive, uma manifesto assinado por servidores da empresa afirmando que a EBC não faria “comunicação governamental, em nenhuma hipótese”. Nesse caso, havia o entendimento de que na comunicação governamental residia uma ótica propagandística, diferente do previsto pela Lei nº 11.652/2008.

Diferentemente do caso EBC, Thierry Saussez, diretor do serviço de informação do governo francês (SIG), enxerga a comunicação governamental como se fosse impessoal, despojada de conceitos ou promessas. Essa seria uma comunicação informativa, sem meios persuasivos, relativa a fatos, medidas, reformas ou comportamentos específicos voltados ao interesse público ou à promoção do bem-estar social. Esta função informativa não seria, portanto, comunicação pública ou ainda Estatal?

Seja qual for a resposta, em Estados democráticos, a comunicação oriunda das esferas administrativas não trata, ou não deveria, tratar meramente da emissão de mensagens do governo para cidadãos. Nesse sentido, Pippa Norris (2001) traz como origem e destino dessa comunicação três possibilidades. A primeira delas ocorre de cima para baixo (top-down communication) e trata da informação emitida por instituições do governo em direção aos cidadãos. A segunda possibilidade é horizontal (lateral communication), em que há conexões entre diferentes atores e autoridades, geralmente de mesmo nível hierárquico. A terceira vem de baixo para cima (bottom-up communication) de modo que a informação parte da opinião pública em direção a autoridades.

Percebemos, assim, que a disponibilização de informações e a existência de canais para a troca de ideias com a população são apenas um dos aspectos dessa comunicação governamental. Fato é que, independente da direção, esta comunicação, quando utilizada estrategicamente, tem como objetivo tornar a agenda pública favorável a determinados objetivos. Assim, ao lidar com fluxos de informação e com os relacionamentos entre o Executivo e a sociedade, os limites dessa comunicação estão no “cumprimento dos planos de difusão de informações específicas em defesa de seus projetos” (WEBER, 2017, p. 37).

Assim, tendo em vista as dificuldades entre a conceituação específica de cada uma desses termos, se persuasiva ou informativa, de cima para baixo, de baixo para cima, etc., não pretendemos com este ensaio afirmar categoricamente o que é um ou outro tipo de comunicação, tampouco criticar a opção conceitual de determinado autor ou autora. O nosso objetivo aqui é exemplificar como a ideia de comunicação governamental ou de Estado vem sendo trabalhada no Brasil, juntamente com a abertura de uma discussão que está longe de concluída.

As primeiras diretrizes para políticas de comunicação foram estabelecidas no país ainda na década de 1920. De sistemas mais abertos ou fechados, participativos ou repreensivos, cada governo a partir de então acabou adaptando e atualizando tanto as suas estruturas, quanto os seus objetivos.

No governo de João Batista Figueiredo, por exemplo, criou-se a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), culminando na incorporação da Empresa Brasileira de Notícias (Radiobrás) e trazendo dentre suas atribuições o planejamento, execução e controle das atividades de comunicação social oriundas do governo.

A partir dos anos 1990 e do processo de redemocratização, questões relativas à “visibilidade, transparência e defesa do interesse público foram dirigidos à construção de um ‘novo país’ que exigia uma comunicação diferenciada para estruturar o debate publico” (WEBER, 2017, p. 27). Surgem, então, demandas por sistemas de comunicação que não fossem, necessariamente, verticais e/ou repressivos.

A partir dali diversos mecanismos foram criados, como é o caso dos Portais da Transparência, que disponibilizam informações a respeito do gerenciamento de recursos em diferentes esferas e Poderes. Novas plataformas de comunicação bottom-up trazem não apenas informações, mas também potencial deliberativo, caso do portal E-Cidadania. O Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC) é outro exemplo que traz o acesso a informações do Poder Executivo para qualquer cidadão.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva estabeleceu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, a implantação da TV Digital e a criação da EBC, respectivamente por meio do Decreto 4.901/2003, do Decreto 5.820/2006 e da Medida Provisória 398/2008 que viria a ser substituída pela Lei nº 11.652/2008. Dilma Rousseff, por sua vez, tratou de lidar com a questão da liberdade de expressão, informações e da questão da privacidade ao regulamentar o Marco Civil da Internet, em 2016.

Desse modo, a criação e desenvolvimento de plataformas e as políticas de comunicação de distintos governos ao longo do tempo tratam das diversas possibilidades de emprego da comunicação, seja ela de Estado ou de governo. Da mesma forma, conforme variam os objetivos governamentais, variam o uso e a legislação resultante de cada período. Se, em tese, é simples distinguir um Estado de um governo, na prática a distinção entre a comunicação levada a cabo por cada um deles não parece ser tão simples assim.

Em suma, não pretendemos esgotar as possibilidades de debate com este ensaio, buscamos apenas incentivar a reflexão a respeito dessas práticas. Seja sob a perspectiva histórica ou epistemológica, esperamos despertar a curiosidade do leitor trazendo, inclusive, novos horizontes para propostas de conceituação que nos proporcionem maior rigor ao lidar com um termo em detrimento a outro.

Autor: Pedro Pimentel – Mestrando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná e membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral. E-mail: cp.pedro@gmail.com

Referências

NORRIS, P. Political Communication. In: SMELSER, Neil J.; BALTES, Paul B. (eds.) International Encyclopedia of the Social & Behavioral Sciences. Elsevier, 2001. DOI 10.1016/B0-08-043076-7/04694-5

WEBER, M. H. Nas redes de comunicação pública, as disputas possíveis de poder e visibilidade. In: WEBER, M. H.; COELHOS, M. P.; LOCATELLI, C. (org.) Comunicação pública e política – pesquisa e práticas. Florianópolis : Insular, 2017.