Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

Exposição seletiva e efeitos das Fake News na opinião pública

A disseminação de “notícias” falsas, as chamadas Fake News, por meio das redes sociais digitais, em reação à cobertura da mídia sobre a execução da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) colaborou para desnudar a questão da exposição seletiva e seus efeitos na opinião pública.

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Imagem ilustrativa: fonte CC

Sabemos que a Internet, e mais especificamente as mídias sociais, tem uma particularidade positiva no que tange à quebra da supremacia de narrativa dos meios de comunicação de massa. Por outro lado, a maneira como essas mídias, entre elas o Facebook, priorizam as histórias que irão se destacar no feed dos usuários afeta a exposição à informação, ao deduzirem preferências com base em interações com outros perfis e páginas, em informações que são consumidas na rede e em perfis com comportamento semelhante. Ainda que o emprego do termo Fake News seja discutível, porque contribui para colocar em xeque a credibilidade do jornalismo (necessária para a boa saúde da democracia), entendemos que a exposição seletiva passiva pode levar à crença na veracidade de histórias falsas, fazendo com que viralizem por meio do compartilhamento infinito nas mídias sociais. Desse modo, trazemos à discussão duas leituras em relação ao tema sobre: a capacidade que a exposição seletiva passiva teria de influenciar a opinião pública e a possibilidade de utilização das “notícias” falsas como ferramenta de reforço ideológico.

A maneira como os usuários de mídias sociais discutiram a morte de Marielle Franco (PSOL), bem como a cobertura que o caso recebeu da mídia, fez despontar duas narrativas predominantes e opostas: de um lado, pessoas que apoiavam o trabalho da vereadora junto a comunidades pobres do Rio de Janeiro e que se abalaram com sua execução por entenderem que se trata de um crime com clara motivação política; de outro, indivíduos que são contrários à defesa dos direitos humanos em locais afetados pelo crime organizado e que acabaram compartilhando massivamente boatos e histórias falsas sobre Marielle Franco, os quais precisamente contestam a importância da vereadora na cena pública. Não temos como aferir a quantidade de indivíduos que compartilharam conteúdo falso referente ao caso, mesmo sabendo que se tratava de Fake News. Mas podemos inferir que boa parte era conhecedora da índole falsa de tal conteúdo, se considerarmos a extensiva cobertura midiática sobre o assunto, inclusive com foco sobre a falsidade de algumas histórias em circulação nas redes sociais online e sobre as possíveis consequências de se compartilhar “notícias”, memes, vídeos que, além de mentirosos, provocam danos à imagem e à honra de outras pessoas.

Mas afinal, qual seria a explicação para o consumo de Fake News ou boatos, mesmo que as pessoas estejam cientes de sua falta de veracidade? Mutz & Young (2011) afirmam, com base em evidências empíricas, que sites de buscas, como o Google, e mecanismos de filtragem e recomendação de conteúdo, como os utilizados pelo Facebook, têm influenciado o modo como as pessoas se expõem a determinados conteúdos. As autoras explicam que o suposto poder de escolha dos usuários têm sido constrangido pela disponibilidade dos conteúdos, definida pelos motores de busca e pelos algoritmos usados pelas redes sociais online a partir do que é desenhado como preferências preexistentes. “Particularmente quando voltadas para um enorme número de escolhas na mídia, as pessoas são menos propensas e menos capazes de escolher ativamente, baseadas em conteúdo” (Mutz e Young, 2011, p. 1029). Assim, seria improvável que internautas se expusessem ativamente a argumentos e ideias plurais, diante da disponibilidade de material selecionado sob medida para não confrontar crenças e ideologias, o que nos levaria a um quadro de exposição seletiva passiva.

Por outro lado, a pesquisa realizada por Cerase & Santoro (2018), sobre a relação entre a cobertura midiática de polêmicas e a criação de boatos raciais, aponta que histórias falsas “estão se tornando uma estratégia discursiva popular para disfarçar o racismo”. Ainda que nosso foco não sejam os boatos raciais, podemos tomar a pesquisa como exemplo ilustrativo de nosso ponto de vista. Especificamente sobre o processo de produção e disseminação, os autores afirmam que “notícias” falsas são frequentemente utilizadas para provocar indignação, explorando a capacidade de viralização das mídias sociais; ademais, é mais provável que sejam criados boatos e Fake News que se encaixam no discurso geral sobre um tópico específico, e confirmam as crenças preexistentes (Cerase & Santoro, 2018).

A grande visibilidade do assassinato de Marielle Franco tanto pela cobertura da imprensa quanto pelas discussões geradas nas mídias sociais levou figuras públicas a envolverem-se na propagação de Fake News, provavelmente (dado o conteúdo dos boatos) com a intenção de reverter o discurso aparentemente dominante de que o crime teve motivação política. Mas o que levaria usuários de mídias sociais a tomarem tais narrativas como verdadeiras? Os pesquisadores acreditam que esse comportamento seja ancorado na credibilidade da fonte dos boatos, no formato e linguagem que utilizam (empregando os métodos de produção de notícias), e porque se apoiavam em “narrativas discriminatórias preexistentes e compartilhadas”.

Portanto, percebemos a influência das Fake News sobre a opinião pública, notadamente em relação a temas com apelo político, seja por meio de exposição seletiva influenciada pelo funcionamento dos algoritmos das mídias sociais ou pelo fato de os propagadores de histórias falsas serem considerados fontes confiáveis. Sobre o primeiro caso, destaca-se que os algoritmos limitam nossa exposição a determinados conteúdos e facilitam em relação àqueles que estariam de acordo com nossas supostas preferências. Tem-se ainda o poder de viralização dos boatos que se apoiam em narrativas discriminatórias preexistentes.

No entanto, apesar de efeitos supostamente negativos das Fake News e da Internet, não podemos desconsiderar as particularidades positivas das mídias sociais no que tange à quebra da supremacia de narrativa dos meios de comunicação de massa, levando a um cenário futuro de amadurecimento e autonomia das audiências. Por fim, consideramos que a discussão exaustiva do tema é de substancial importância para a vitalidade da democracia, não podendo mais ser evitado diante da complexidade dos acontecimentos presentes.

Autora: Érica Bianco – Mestranda em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná e membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral. E-mail: ericaverderio@gmail.com

Referências

Cerase, Andrea; Santoro, Claudia. “From racial hoaxes to media hypes Fake news’ real consequences”. In Vasterman, Peter (ed.), From Media Hype to Twitter Storm. News Explosions and Their Impact on Issues, Crises, and Public Opinion. Amsterdam, Amsterdam University Press: 2018.

Mutz, Diana & Young, Lori. (2011). Communication and Public Opinion: Plus Ça Change?. The Public Opinion Quarterly. 75. 1018-1044. 10.2307/41345920.