Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

Se faz política nas Cortes

A briga jurídica que se prolongou no começo de julho de 2018 acerca da soltura do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) foi amplamente abordada pela mídia a partir de um viés pessoal. Tão logo o desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª região (TRF4) Rogerio Favreto publicou decisão a favor da liberdade do petista, boa parte das discussões de destaque nos jornais se concentrou no fato de o juiz ter sido filiado à mesma legenda de Lula e ter ocupado por anos consecutivos cargos em administrações petistas. Por outro lado, ficaram esquecidas, na mídia de massa, questões e detalhes sobre os magistrados que mudaram o final do capítulo – Sérgio Moro, da Justiça Federal do Paraná, e Thompson Flores Lenz e João Pedro Gebran Neto, ambos do TRF4 em Porto Alegre. Tampouco se questionou com a mesma insistência as até sucessivas fotografias de Moro ao lado de políticos do PSDB como destaca-se. O que converge ao delineamento, mais uma vez, de uma queda de braço alimentada pela judicialização da política e de uma frágil percepção de igualdade perante a Justiça e diante dos holofotes da mídia.

Também chamada de lawfare, a judicialização da política tem sido assunto recorrente nas pautas de interesse público. E, com a proximidade das eleições de 2018, este tema ganhou mais força, visto sua capacidade de interferir em demandas públicas. Ferreira (2014) observa que os principais pensadores da Teoria do Estado e Direito Constitucional do século XX apontam para uma supremacia do Executivo frente ao Legislativo e ao Judiciário, mas que, no Brasil, o período pós-Constituição de 1988 ressignificou a arquitetura dos poderes, levando a uma atuação muito mais significativa das Cortes. Percebe-se, neste período de anomalia democrática que engloba impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), uma nova “função legislativa” do Judiciário se tornando muito mais clara.

O sociólogo brasileiro Jessé Souza (2016) defende que as manifestações que antecederam o golpe da então presidenta afetou a credibilidade do Executivo e deu ainda mais visibilidade às decisões dos tribunais. Para ele, isso ocorreu por causa da mídia, que potencializou sua bandeira de crítica ao governo por meio dos protestos de 2013 e também por causa do próprio Judiciário, que se concretizou, com a ajuda da imprensa, como instituição politizada. “A presunção de inocência, marco fundamental da ordem jurídica democrática, foi para o brejo. O bombardeio era diário. A ordem era não deixar pedra sobre pedra (SOUZA, 2016, p. 123)”.

O papel político atribuído pela mídia à magistratura não é de agora. Ao investigar a imagem e a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo de redemocratização nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, Oliveira (2004) concluiu que entre 1979 e 1988 os meios de comunicação já fortaleciam a imagem do Tribunal e de seus ministros a questões políticas e não sociais.

Recentemente, dois cliques conseguiram traduzir essa aproximação. Personagem central da Lava Jato, o juiz Sergio Moro foi fotografado pelo menos duas vezes ao lado de políticos tucanos. Em dezembro de 2016, a agência Folhapress mostrou o juiz de 1ª instância sorrindo ao lado do senador Aécio Neves (PSDB), também citado nas delações da operação.

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 Em maio deste ano, a pose de Moro não foi nada casual. Ao lado do candidato ao governo de São Paulo do tucanato, João Dória e esposa, Moro e esposa badalaram em Nova Iorque.

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Reprodução O Globo

Mas não se pode dizer que tal relação é exclusiva das terras tupiniquins. Na América Latina, o fenômeno já abalou estruturas de governo de nossas vizinhas e vizinhos.

Na Argentina, a ex-presidenta Cristina Kirchner se viu enfrentando várias barreiras judiciais no fim de seu mandato, em 2015. A principal investigação a colocou no centro de denúncias sobre lavagem de dinheiro que eclodiram durante campanha eleitoral. No pleito, o candidato apoiado por Cristina perdeu para o candidato liberal Mauricio Macri. Em 2012, o chefe do Executivo no Paraguai, Fernando Lugo, foi alvo de um processo de impeachment veloz: foram apenas dois dias entre o início do processo e a destituição do mandatário. A defesa teve apenas 17 horas para elaborar seus argumentos e duas horas para defendê-los diante do Senado. Em Honduras, três anos antes, o presidente Manuel Zelaya havia sido retirado de sua casa ainda de pijamas por policiais militares. A ordem veio da Justiça, que se voltou contra uma consulta popular sobre reformas legislativas que Zelaya pretendia implantar. No caso mais recente da América Latina, o ex-presidente Rafael Correa, acusado de envolvimento no sequestro de um ex-deputado da oposição em 2012, recebeu ordem de prisão por que não se apresentou à Justiça em Quito – conforme ordem cautelar. A questão é que, como mora na Bélgica, Correa foi ao consulado equatoriano em Bruxelas, o que não foi considerado pela Procuradoria-Geral do Equador.

Estes sismos políticos que sacudiram a América Latina nos últimos anos mostram como a judicialização da política tem crescido por aqui e tendo como alvo central as esquerdas. Embora não se questione a importância do Poder Judiciário enquanto mecanismo de garantia dos direitos fundamentais dos indivíduos e do enquadramento correto das leis e da Constituição, não é possível ignorar as implicações políticas de tudo o que é decidido nas Cortes do país. E se não é certo enxergar juízes e desembargadores como inimigos, ao menos se deve lembrar de que, junto com a mídia, eles também fazem parte de um sistema cada vez mais atrelado às disputas políticas do país.

Editorial 

Referências

FERREIRA, Eber de Meira. Poder judiciário, ativismo judicial e democracia. 2014. Dissertação. 150 f(Mestrado em direito). Programa de Mestrado em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, SP, 2014. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-08122014-161522/pt-br.php. Acesso em: 13 Jul 2018.

SOUZA, Jessé. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro: Leya, 2016, 144 p.

OLIVEIRA, Fabiana Luci. O Supremo Tribunal Federal no processo de transição democrática: uma análise de conteúdo dos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo. Revista de Sociologia e Política, São Paulo, v. 22, p. 101-118, jun. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n22/n22a09. Acesso em: 13 Jul 2018.