Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

O clima político

Por Ary Azevedo

A eleição 2018, com a vitória de lideranças populistas e demagógicas foi marcada, dentre outras coisas, pelo discurso de crítica ao status quo político, com ataques reiterados à tradição clientelista que gerava um toma lá dá cá de cargos, verbas, emendas e outras moedas de troca que garantiam o funcionamento daquilo que tem caracterizado a República pós-redemocratização, que é a construção de alianças casuísticas para ascensão e manutenção no poder.

PoNesta estrutura, a influência dos grandes partidos e suas bancadas majoritárias somadas à cooptação de partidos menores, usualmente realizada por acordos que envolvem a cessão de nacos do poder e consolidam alianças entre forças políticas em busca de um objetivo específico, que é garantir a governabilidade. Com este enfoque, sob a perspectiva nacional, Sérgio Abranches cunhou o termo presidencialismo de coalizão, que explicitava o funcionamento deste tipo de relação entre, predominantemente, o Congresso Federal e Presidência da República. Este tipo de relação pode facilmente ser extensível aos Executivos e Legislativos estaduais e municipais.

Sob a marcha moralizante de 2018, várias candidaturas surfaram na onda antissistema e com ataques à democracia de coalização, pregavam a ruptura com esta forma de fazer política, justificando que esta era a grande causadora de corrupção do país, o que não poderia ser aceito pelos novos paladinos políticos que, colocando-se acima dessa estrutura viciada que caracterizava a velha política, propunham uma nova forma de atuar, com valorização de justos padrões morais que cerceariam a troca de cargos, verbas e afins por apoio político. Era a nova política, que surgia com a maniqueísta proposta de “mudar isso aí” com o enfrentamento a este mal que assolava o país através da eleição de homens de bem, com altos padrões morais, com a valorização da pátria, da família e da fé.

Esta narrativa conquistou os corações e mentes de eleitores bombardeados diuturnamente pela imprensa que, com a cobertura da icônica Lava Jato, expunham escândalos de corrupção que marcaram administrações petistas, principalmente a da presidenta impichada Dilma Roussef e, posteriormente, com a cobertura dedicada a operações como Carne Fraca, que atingiram seu sucessor, o emedebista Michel Temer.

Nesta atmosfera onde o mal estava identificado (corrupção), a nova política elegeu um velho político, com mais de 20 anos de atuação na Câmara Federal, com passagem por vários partidos políticos: PDC entre 1988 e 1993; PPR de 1993 a 1995; PPB de 1995 a 2003; PTB de 2003 a 2005; PFL em 2005; PP entre 2005 e 2016; PSC entre 2016 e 2017; firmou compromisso com o Patriota (PEN) em 2017 para disputar a presidência da República, mas optou pelo PSL em 2018. Partido com o qual venceu a eleição, mas do qual se desligou em 2019 com a pretensão de criar o seu próprio partido.

Independente desta trajetória insider, de modo imponderável e eficiente, Bolsonaro conseguiu representar o incômodo com a velha política e posicionou-se como o outsider, o salvador da pátria, o homem que simbolizava a nova forma de fazer política e que mudaria a estrutura patrimonialista consolidada desde a Nova República. Assim foi eleito Bolsonaro, que repetidas vezes criticou este sistema e que foi responsável por surrar partidos políticos que representavam esta forma de fazer política, fazendo do até então nanico PSL a segunda maior força do Congresso e gerando forte revés a partidos tradicionais.

O PSL abocanhou o eleitor do centro e direita que buscava novos horizontes, em virtude de fracassos anteriores de partidos que defendiam estas bandeiras, mas falharam, inexoravelmente, em sua execução efetiva. Seria necessária a renovação na forma de fazer política, com a presença de discursos fortes contra a política tradicional, eminentemente representada pelas forças do Centrão e seu pragmático adesismo para dar sustentabilidade ao governo da vez.

A origem do Centrão remete ao período da Assembléia Nacional Constituinte (1987/88), sendo caracterizado como um grupo suprapartidário com perfil de centro e direita, com características conservadoras, composto por parlamentares do Partido da Frente Liberal (PFL), do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Partido Democrático Social (PDS) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do Partido Liberal (PL) e do Partido Democrata Cristão (PDC) com objetivo de combater propostas progressistas na redação da nova Constituição.

Decorrente de sua eficiente trajetória no estabelecimento de diretrizes para os trabalhos constituintes, o bloco acabou sendo considerado como elemento chave para forjar uma base de apoio ao presidente de então, José Sarney (PMDB), que assegurou sua governabilidade com a oferta de cargos e benefícios aos congressistas desta base aliada. Desde então, o Centrão age de modo pragmático e fisiológico, aliando-se ao governo de plantão e oferecendo apoio no Congresso para propostas de interesse governamental em troca de cargos na administração pública (ministérios, órgãos fiscalizadores, estatais etc.) de modo a garantir a governabilidade e o funcionamento da máquina governamental por conta destas relações clientelistas.

O Centrão varia de nome e de composição, mas normalmente é caracterizado por um conjunto de partidos políticos de proporções médias que não possuem uma orientação programática específica, o que lhes possibilita a adesão a governos de diferentes matizes ideológicos. No geral, os partidos do Centrão são ideologicamente conservadores e abrigam deputados do “baixo clero” da Câmara, com baixo poder de influência singular, mas com suficiente força coletiva para estabelecer uma correlação de forças benéfica para seus integrantes nas negociações para manutenção da base de apoio ao governo.

Sob a presidência de Bolsonaro, podem ser considerados integrantes do bloco do centrão os partidos PTB, PP, Solidariedade, PRB , PSD, MDB, PR, Podemos, Pros, Avante, DEM e PSDB. Bloco adesista e adepto da velha política do toma lá da cá, discursivamente combatida pelo presidente, mas à qual ele agora recorre em busca de sustentação e governabilidade.

Coincidentemente, esta ccentrao-o-que-e-partidos-960x540onversão às práticas da velha política, que tão bem conhece por sua longeva vida de congressista, ocorre pouco depois do ingresso de seus filhos no Republicanos, partido integrante do centrão, bloco que não via com bons olhos o protagonismo do então ministro da Justiça, em consonância com a percepção do presidente que vislumbrava o interesse de Moro no planalto em 2022. Somando os interesses convergentes, isto pode explicar a exoneração de Maurício Valeixo da diretoria da Policia Federal para gerar a ruptura com Sérgio Moro e enfraquecer um concorrente na futura disputa eleitoral enquanto nomeia alguém de sua confiança para a PF.

Atribui-se ao ex-banqueiro e político conservador Magalhães Pinto (UDN, ARENA e PDS), velha raposa mineira, a frase de que “política é como nuvem”, pois a cada olhar, enxerga-se um novo formato. Nessa dinâmica mutante, atualizada à contemporaneidade e às mudanças climáticas que assolam o planeta e tornam o clima ainda mais instável, pode-se afirmar que o clima continua imprevisível. Mas cada vez mais compreensível. Assim como a política.