Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

Bolsonaro e Mandetta: uma breve análise de construções e desconstruções de imagens públicas

Por Silvia Cunha*

A noção de imagem pública, ligada de forma intrínseca ao jogo político, não é contemporânea. O conceito, em “O Príncipe” (1532), é, para Maquiavel, um instrumento de legitimação de poder. À luz do contexto atual, disputa política e imagem pública são indissociáveis, sobretudo nas democracias liberais ocidentais – midiatizadas, hiperinfluenciadas pelos meios de comunicação e balizadas pelo estatuto da imagem. Neste cenário, transpassado pelas consequências econômicas e sociais ocasionadas pela pandemia de coronavírus, se evidencia ainda mais o acirramento da disputa por espaço e visibilidade – fatores substanciais ao reconhecimento de instituições e atores políticos.

Vale lembrar que a grande imprensa – jornais, portais de notícias, rádios e emissoras de televisão, tiveram os seus acessos, bem como o alcance de seus conteúdos, amplificados nos dois últimos meses. Veículos como a Folha de São Paulo[1] e a GloboNews[2], por exemplo, registraram, neste período, recordes de audiência. Ao mesmo passo, cresce também a relevância das redes sociais tanto no combate[3] quanto na disseminação de desinformação. Portanto, em consonância com esse movimento, é natural que os sujeitos políticos almejem, por meio da imposição de  narrativas favoráveis, preencher, reverberar e, principalmente, “marcar presença” nesses espaços – sobretudo neste momento em que percebemos um aumento no consumo e nas buscas por informação.

Voltemos ao conceito de imagem pública, foco dessa discussão. Ela confere ao ator político materialidade, obtida por meio de mediações comuns à práxis política e as midiatizações.  São essas imagens – fabricadas em uma atmosfera de rivalidade e dirigidas sempre ao espectador/eleitor, sujeito principal desse processo constitutivo – que geram votos, coligações, pactos de disputa com a mídia e acirram as diferenças entre os candidatos em relação aos seus oponentes. É desse movimento, que inclui a exposição dos sujeitos políticos ao julgamento da opinião pública, que decorre o processo de construção da imagem pública, sintetizado pela aglutinação das representações mentais e visuais.

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Weber (2004), pesquisadora dedicada ao estudo da temática, argumenta que esta imagem não é estática, controlada ou permanente. Ela é mutável e está sempre em processo de construção e desconstrução, dinâmica que se comprova através de uma rápida análise do crescimento da popularidade do ex-Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta e do declínio da gestão Bolsonaro. De acordo com levantamento realizado no dia 30 de abril pela  XP/Ipesp[4], atualmente, o presidente só está atrás, no que tange a imagem negativa, de Lula e Haddad. Já Mandetta, segundo a pesquisa, é a figura melhor avaliada. Esse resultado demonstra, além de uma expressiva deterioração da imagem do governo Bolsonaro, a boa percepção da imagem pública do ex-Ministro da Saúde, cujo posicionamento a favor do isolamento social foi bem recebido por grande parte do eleitorado. A sua popularidade registra uma crescente desde as primeiras aferições[5], que datam de meados de março, quando o assunto coronavírus começou a ser mais pautado. Mesmo após  15 dias de sua saída do cargo, o ex-ministro continua sendo lembrado.

A conturbada demissão de Mandetta, anunciada primeiramente pelo twitter no dia 16 de abril, foi seguida de uma série de eventos extremamente midiáticos, como os pronunciamentos de despedida e de anúncio do novo ministro por parte de Jair Bolsonaro realizados quase que no mesmo horário. Percebe-se nesses dois eventos e nas escolhas estratégicas de imposição de imagens públicas a intenção de explicitar e demarcar as razões do conflito entre o chefe e ex-subordinado,  por meio dos discursos e justificações. Para o eleitorado, a briga “televisionada” pode ter contribuído para aumentar a sensação de que neste caso a disputa pelo poder foi priorizada em relação à gestão pública da saúde. Coincidentemente, o início da crise sanitária acentuou também uma queda[6] na avaliação do governo Bolsonaro, que tem como premissa a defesa do afrouxamento das medidas de isolamento. Ao observarmos essa dinâmica, entendemos que a formação de imagens públicas “trata-se de um processo de construções e desconstruções de verdades, realidades e de legitimidade, tanto de quem fala sobre si próprio, como sobre os próprios espelhos – mídias, espaços, palcos” (WEBER, 2004, p.260).

Mandetta, que até a chegada da pandemia ao Brasil era um ministro que recebia pouca atenção midiática, passou a ser uma das principais fontes desta temática. Ao se posicionar a favor das recomendações da OMS, construiu junto à grande parte da população a percepção de capacidade técnica, aumentou a sua autoridade, se posicionou como um político de perfil moderado e se distanciou cada vez mais do discurso de forte caráter “negacionista” atrelado ao presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, sua imagem pública, mesmo diante dos embates travados com o presidente, foi bem aceita pela imprensa e, principalmente, pelo eleitorado. “Lapidar a imagem pública pode significar a simplificação ou a potencialização da ideia publicitária do estilo pessoal ou o modo de governar, como a diferença eficaz de atrair e enredar” (WEBER, 2004, p.272). No entanto, é preciso ressaltar que este processo não é inalterável – a exemplo do próprio presidente, que já foi muito melhor avaliado[7].

*Silvia Cunha é jornalista, mestranda em Comunicação pela UFPR e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação Eleitoral da UFPR.

[1] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/05/folha-bate-recorde-de-audiencia-pelo-segundo-mes-seguido-com-coronavirus.shtml

[2] https://f5.folha.uol.com.br/televisao/2020/04/globonews-bate-recorde-de-audiencia-em-dia-de-pronunciamento-de-sergio-moro.shtml

[3] https://exame.abril.com.br/tecnologia/como-as-redes-sociais-estao-combatendo-a-desinformacao-sobre-o-coronavirus/

[4] https://valorinveste.globo.com/noticia/2020/05/04/popularidade-de-bolsonaro-cai-aps-demisso-de-moro-segundo-pesquisa.ghtml

[5] https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/03/19/cresce-popularidade-de-mandetta.ghtml

[6] https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,avaliacao-do-governo-bolsonaro-piora-desde-inicio-da-crise-do-coronavirus-aponta-pesquisa,70003247572

[7] https://brasil.elpais.com/brasil/2020-01-22/avaliacao-de-bolsonaro-melhora-e-supera-percepcao-negativa-aponta-pesquisa.html

 

REFERÊNCIAS:

GASPARI, F. N. . Aparência e propaganda n’O príncipe. Humanidades em Diálogo (Impresso) , v. VII, p. 183-193, 2016.

WEBER, Maria Helena . Imagem Pública. In. ALBINO,A.; RUBIM,C. Comunicação Política: conceitos e abordagens. Salvador; Edufba. 2004. p. 259- 307.

WEBER, Maria Helena. Comunicação e espetáculos da política. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2000.

WEBER, Maria Helena. O estatuto da imagem na disputa política. ECO-Pós, v.12, n.3, setembro-dezembro 2009, p.11-26