Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

A mão que despe o manto sagrado da opinião pública

Por Ricardo Tesseroli*

“STF está intimidado pela Opinião Pública”. “Pressionado pela opinião Pública, Bolsonaro Publica novo decreto sobre Armas”. “Pressão da Opinião Pública faz presidente desistir de unir os ministérios”. Quantas vezes nos deparamos com títulos semelhantes a esses, atribuindo à opinião pública um status de “força maior”, envolvida em um manto sagrado, capaz de fazer governantes, ministros e tantos líderes políticos se dobrarem ante ao seu poder?

Vivemos tempos conturbados, de manifestações de opiniões contundentes em redes sociais, nas ruas, nos meios de comunicação e no ambiente privado. Opinamos sobre tudo, em todo momento. A disputa por fazer prevalecer a narrativa que aderimos é clara. Exemplos da manifestação de opiniões não faltam, mas o que é, ou quem é essa onipotente opinião pública?

É comum citarmos a opinião pública como a opinião da maioria, como predominante ou como resultados de pesquisas. Ao fazer uma busca pelo significado deste termo, na internet mesmo, podemos encontrar algumas definições que vão ao encontro do citado acima. A maioria converge para o entendimento de que a opinião pública é o conjunto de ideias, opiniões e valores de uma sociedade, em relação a um determinado assunto, ou então, definem que o termo diz respeito à opinião predominante em uma sociedade.

Mas não se enganem, a resposta não é tão simples quanto parece.  O que pretendo aqui, não é responder essa pergunta, mas  dar subsídios para o entendimento do que falamos quando nos referimos a opinião pública; incentivar o raciocínio, descobrir a opinião pública deste manto. A intenção é fazer com que percebamos os movimentos existentes na sociedade, como a opinião pública se comporta e prestamos atenção nos fenômenos que constatamos diariamente nas ruas, nas redes sociais e meios de comunicação.

Da Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média até chegar à contemporaneidade, a opinião pública é conceituada de diferentes formas. Os Romanos atribuíam um sentido jurídico à expressão consensus populi (consenso popular). Os Gregos entendiam ser possível encontrá-la nos debates na Ágora ateniense. Na Idade Média, a voz do povo era a voz de Deus (vox Populi, vox Dei), jargão usado até hoje.

O termo opinião pública, referenciando à participação da população em questões de interesse público, só apareceu em meados do século XVIII, quando Rousseau propôs que a soberania e as leis são decorrentes e exclusivamente da vontade do povo (ROUSSEAU, 2011). No entanto, foi somente em 1922 que Walter Lippmann cravou o início da discussão sobre opinião pública nos tempos modernos.  Lippmann recorre às imagens que formamos na nossa cabeça para explicar a ideia de que a opinião seria “a média das opiniões circundantes em uma determinada sociedade, num momento determinado” (FERREIRA, 2015, p. 63). Quando as pessoas procuram emitir suas opiniões deve-se levar em conta que possuem em sua mente uma série de ideias e imagens que precisam ser levadas em consideração. A metáfora é usada para demonstrar que, para formularmos um pensamento sobre determinada coisa, usualmente recorremos às imagens que temos guardadas em nossa mente. “Teremos que presumir que o que cada homem faz está baseado, não em conhecimento direto e determinado, mas em imagens feitas por ele mesmo ou transmitidas a ele” (LIPPMANN, 2017, p.37).

Podemos destacar que a formação da opinião de cada indivíduo, que resultará na opinião pública, acontece idealmente em um ato de fusão de informações. De posse de seu repertório cada pessoa toma conhecimento de um fato pelos meios de comunicação ou por seus pares, formula seus conceitos e depois discute com outros membros de seu grupo onde, cada um desses membros possui também opinião própria. Para Pimenta (2007) é na junção de todos esses elementos que se viabilizam e se formam as opiniões da esfera pública, formando constelações de discursos e, consequentemente, a opinião pública.

A análise da opinião pública indica a existência de uma teoria vasta, que apresenta várias dimensões. Desse marco, fazemos um recorte e podemos destacar: Direção, Intensidade e Latência. O conceito de Direção está alicerçado no posicionamento da opinião pública a respeito de determinado tema que emergiu na sociedade. “A Direção informa basicamente se determinado grupo está a favor ou contra alguma coisa” (FIGUEIREDO; CERVELLINI, 1995, p. 180). Logo, “tanto individualmente quanto do ponto de vista coletivo, são produzidas disposições gerais no sentido de adesão ou rejeição a uma ideia, com respostas positivas ou negativas” (CERVI, 2006, p. 118). Cito como exemplo as manifestações ocorridas nas últimas semanas, em todo o país, algumas “contra” o governo Bolsonaro,  levantando bandeiras contra o fascismo,  descriminação racial, violência policial e pedindo o impeachment do atual presidente. Do outro lado estavam os manifestantes que saíram às ruas “a favor” de jair Bolsonaro. Nos gritos de ordem estavam a defesa da família, o fechamento do Congresso e do STF e palavras de apoio.

Outra característica importante para analisar a opinião pública é a Intensidade. “Esta propriedade indica o grau de adesão a cada opinião, dando uma medida de força da manifestação. Pode-se imaginar facilmente que os efeitos de uma situação onde a opinião pública é muito intensa, são bem diferentes daqueles onde a força da adesão é menor”. (FIGUEIREDO; CERVELLINI, 1995, p. 180). Novamente, podemos recorrer aos exemplos citados acima. A adesão as manifestações, mesmo que em um tempo onde não é recomendado nenhum tipo de aglomeração, mostra a intensidade de cada uma das opiniões. A Intensidade está intimamente ligada à força da opinião pública, não a força na opinião pública.

A terceira propriedade citada aqui é a Latência. Essa Latência, de acordo com Figueiredo e Cervellini (1995), diz respeito ao estado de hibernação da opinião pública, em oposição à ativação. Um fenômeno de opinião pública latente é aquele onde existe um potencial para uma manifestação, mas ainda não houve explicitação da opinião, ou seja, ela ainda não se tornou pública. “A passagem do estado latente para o ativo vai depender da relevância e do nível de relação que o estímulo ativador mantém com os valores, crenças e atitudes básicos do indivíduo” (FIGUEIREDO; CERVELLINI, 1995, p. 183). A Latência da opinião pública tem a ver então com o adormecimento de uma determinada opinião, que tem potencial para se tornar intenso, mas que ainda não foi explicitado e dessa forma não foi ativado. Essa ativação depende de um estímulo, um gatilho para trazer a discussão à tona e assim despertar o assunto no seio da sociedade.  Quer exemplo melhor do que o “despertar da opinião pública” resultado pelo assassinato do segurança norte americano George Floyd. Ocorrido dias atrás. É nítido o estado de hibernação desta opinião e o quanto o ocorrido serviu de gatilho para a emersão deste assunto na sociedade.

A partir disso, podemos constatar algumas das particularidades de como atuam as forças internas envolvidas na opinião pública, seus rumos e sinais sobre os rumos que uma sociedade está tomando (está é uma importante função). Isso sem falar na existência de grupos de interesse ou grupos de pressão, que manipulam a audiência para que essa dê ênfase a opinião que lhes é de interesse.

Chegar a um conceito de opinião pública não é uma tarefa fácil. Charaudeau (2016) é enfático em dizer que “não existe uma opinião pública, mas várias opiniões públicas”. O que usamos para exemplificar os condicionantes da opinião pública demonstram bem isso. O que percebemos hoje é a circulação de várias opiniões públicas, contra, a favor, progressista, conservadora, democrática, autoritária etc… Charaudeau mostra que a opinião pública é heterogênea, composta de vários fenômenos e que transparece em várias opiniões coletivas. Não existe uma opinião pública consolidada como “A verdadeira”, mas uma disputa de narrativas, uma disputa de opiniões públicas.

O que sabemos é que, para existir, a opinião pública precisa de um motivo, de acontecimentos que sejam postos diante de um público para que ela tome conhecimento e faça emergir reações individuais. Assim, para que a opinião pública se manifeste se faz necessário que algo aconteça, um fato, uma ocorrência, algo palpável que provoque a reação de um grupo de indivíduos. Ou seja, algum tipo de acontecimento que afete o cotidiano dos cidadãos e que não tenha sido resolvido.

Pandemia, isolamento social, corrida pela produção de um medicamento eficiente, instabilidade política interna,  conflitos entre os poderes estabelecidos da nação, manifestações, disputa de narrativas e principalmente, disputa pela opinião pública. O cenário político e social brasileiro na atualidade é um prato cheio para ser degustado, que nos convida a prestar atenção neste fenômeno, entender o que está ocorrendo e os sinais que ele está dando para principalmente sabermos que, nem sempre, quando se trata de opinião pública,  a “voz do povo é a voz de Deus”.

* Ricardo Tesseroli é Doutorando em Comunicação pelo PPGCOM/UFPR, na linha de pesquisa de Comunicação Política. Membro do Grupo de Pesquisa Comunicação Eleitoral. Foi professor substituto do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (2015). Especialista em Comunicação, Política e Atores Social pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (2010), Especialista em Comunicação Politica e Imagem pela Universidade Federal do Paraná (2013). Formado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Estadual do Centro Oeste (2005). Organizador dos livros: O Brasil vai às urnas: as campanhas eleitorais para presidente na TV e internet (2019) e As Eleições Estaduais no Brasil: estratégias de campanha para TV (2019). Entre 2011 e 2018 foi responsável pelas Assessorias de Imprensa da Casa Civil do Paraná, da Secretaria de Governo e da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano e da Agência Reguladora do Paraná.

Referencias:

CERVI, Emerson U. Opinião Pública e Política no Brasil: o que o brasileiro pensa sobre política e porque isso interessa à democracia. Tese. 359f. IUPERJ: Rio de Janeiro. 2006

CHARAUDEAU, Patrick. A conquista da opinião pública: como o discurso manipula as escolhas

FERREIRA, Fernanda Vasques. Raízes históricas do conceito de opinião pública em comunicação. Em debate, v.7, n.1, 2015.

FIGUEIREDO, Rubens; CERVELLINI, Sílvia. Contribuições para o conceito de opinião pública. Opinião Pública, Campinas, v. 3, n. 3, p. 171-185, dez. 1995.

LIPPMANN, Walter. Opinião pública. Petrópolis: Vozes, 2017.

PIMENTA, Lidiane Malagone. A formação da opinião pública e as inter-relações com a mídia e o sistema político. Anais… Congresso da Associação Brasileira de pesquisadores em Comunicação e Política. Belo Horizonte, 2007.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social ou Pricípios do direito político. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.