Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

A espetacularização da política e a saga contra a educação superior

Por Aryovaldo Azevedo Junior [1], Erica Bianco [2] e Ramon Lourenço [3]

 

As instituições federais de ensino superior são foco da agenda do governo federal desde os primeiros dias de 2019. Ao acompanhar a cobertura das grandes pautas que envolvem essas instituições fica evidente as principais linhas argumentativas que são construídas por membros do governo para desacreditá-las, sendo a ineficácia, a ocorrência de doutrinações político-partidárias e a malversação do erário as principais.

A construção de uma aura de desconfiança com essas instituições foi uma iniciativa presente em vários momentos ao longo do primeiro ano do governo Bolsonaro, iniciado com o lançamento da Operação Lava-Jato na Educação (LIMA, 2019) em fevereiro de 2019, o primeiro movimento do então Ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. A motivação para a deflagração da operação foi a constatação de vários indícios de corrupção no MEC nos governos anteriores, algo que não foi comprovado posteriormente.

A estratégia de criar factoides ficou explícita na ação do “lançamento oficial” da operação, contando com a presença do então Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e os dirigentes da Advocacia Geral da União (AGU), Controladoria Geral da União (CGU) e da Polícia Federal (PF). A intenção de utilizar a repercussão midiática em favor das pautas levantadas pelo governo é reforçada pela construção do posicionamento nas mídias sociais, em especial no Twitter oficial do presidente.

Em duas mensagens compartilhadas no Twitter, de 15/02/2019 e 04/03/2019, as estratégias argumentativas que foram levadas a cabo ao longo do ano são reveladas. A primeira delas é focada no questionamento sobre a gestão de recursos das instituições e nas insinuações de mal uso deste dinheiro, sendo este o principal motivo pelo qual foi implementada a Operação Lava Jato na Educação. Outro ponto utilizado é a acusação da ineficiência das universidades públicas, questionando sua eficiência em relação ao montante de recursos investidos e aos resultados de rankings internacionais de avaliação. Além disso, está presente também a insinuação sobre a doutrinação ideológica imputada a essas instituições. É importante destacar como essas manifestações dos principais membros do executivo são utilizadas para ampliar a mensagem nos principais veículos de imprensa, o que garante ainda mais visibilidade para os argumentos levantados.

O conturbado e rápido período em que Ricardo Vélez Rodríguez esteve à frente do Ministério da Educação foi marcado por outros acontecimentos com a mesma dinâmica de espetacularização da política, ou seja, o processo que aciona dispositivos e recursos emocionais, sensoriais, valorativos e cognitivos “para fabricar e dar sentido ao espetacular” (RUBIM, 2004). O ponto crucial para a saída de Vélez Rodríguez do Ministério foi certamente a afirmação de que revisaria os livros didáticos sobre o golpe de 1964 e a ditadura (MURAKAWA; ARAÚJO, 2019), culminando em sua substituição por Abraham Weintraub em 8 de abril de 2019.

O novo Ministro seguiu a mesma dinâmica de declarações polêmicas do anterior, apostando na hiperexposição e celebritização (SCHWARTZENBERG, 1977), mas foi mais assertivo quanto à execução dos principais projetos do governo, em especial o bloqueio do orçamento das universidades para a pavimentação do projeto ‘Future-se’. Entre falas sobre doutrinação, filmagens em salas de aula e acusações infundadas começou a se revelar a lógica por trás dessas narrativas fabricadas: a ideia de diminuir cada vez mais a importância das instituições públicas de ensino superior para abrir espaço para o ensino privado, algo que fica mais evidente durante o desenrolar das controvérsias do bloqueio orçamentário e do projeto ‘Future-se’.

O bloqueio orçamentário encaminhado pelo Ministério da Educação foi direcionado, em princípio, para as universidades com baixo desempenho ou aquelas que promovem “balbúrdia, evento ridículo” (AGOSTINI, 2019a), segundo afirmação do Ministro ao jornal Estado de São Paulo. As primeiras universidades afetadas pelos bloqueios foram a Universidade Federal de Brasília (UnB), a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal da Bahia (UFBA). Essa informação gerou uma série de repercussões, tanto por parte das universidades, que começaram a se manifestar contrárias à proposta, quanto de especialistas, questionando a constitucionalidade dessa ação por motivação ideológica, como a definição de “balbúrdia nas universidades”.

Com a crescente mobilização, o Ministério abandonou o argumento de balbúrdia como justificativa central para o bloqueio e generalizou o corte para todas as universidades federais, de modo linear, atrelando o bloqueio à aprovação da reforma da previdência no Congresso (AGOSTINI, 2019b). Aqui se iniciou outra batalha, a tentativa, por parte do ministério, de causar confusão sobre o montante real bloqueado nas universidades, e também pelo mote “não é corte, é contingenciamento” (TREZZI; JASPER, 2019), algo repetido nas comunicações na imprensa e nas mídias sociais nos perfis do presidente e do ministro da Educação.

Ao longo dessa trajetória de controvérsias que envolveram a pasta da Educação em 2019, em especial a guerra travada pelo poder Executivo contra as universidades federais, fica evidente como as estratégias de manipulação da opinião pública vão se construindo de maneira planejada. Dentre as estratégias, o firehosing (PAUL; MATTHEWS, 2016), a disseminação de informações falsas ou imprecisas, com o objetivo de gerar confusão, é marcante, principalmente nas explicações do Ministro da Educação sobre os reais valores bloqueados e sobre a própria definição de bloqueio e contingenciamento. Declarações agressivas, repletas de preconceitos e dados contraditórios, foram alternadas com falas mais moderadas, que por vezes contradisseram as próprias falas originais. Essas ‘caneladas’ (contradições), com idas e vindas em declarações oficiais, são uma das características marcantes da comunicação governamental, que podem inclusive servir como balões de ensaio para medir a temperatura da opinião pública sobre temas de interesse.

A celebritização é outro elemento destacado nas aparições dos membros do governo federal. A maioria das declarações ressalta uma abordagem mais performática, com falas carregadas de preconceito e discursos que alimentam teorias da conspiração e reforçam uma dinâmica maniqueísta de herói versus vilão. Exemplos são algumas performances protagonizadas pelo ex-Ministro da Educação Abraham Weintraub, que apareceu contando relatos de infância para humanizar sua gestão, calculando com chocolates os cortes orçamentários, cantando na chuva contra as fake news. É a construção de um discurso performático, voltado para captar a atenção das massas e dialogar no idioma das mídias sociais, uma verdadeira política do espetáculo.

 

 

* Texto derivado de artigo que será apresentado no VIII Congreso Internacional de Comunicación Política y Estrategias de Campaña

[1] Aryovaldo Azevedo Junior é Pós-Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2017) e Professor Associado do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

[2] Erica Bianco é Mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).

[3] Ramon Lourenço é Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL) e profissional de Relações Públicas na Universidade Federal da Integração Latino-americana (UNILA).

 

Referências bibliográficas:

AGOSTINI, R. MEC cortará verba de universidade por “balbúrdia” e já enquadra UnB, UFF e UFBA. Estadão, 30 abr. 2019a. Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-cortara-verba-de-universidade-por-balburdia-e-ja-mira-unb-uff-e-ufba,70002809579. Acesso em: 12 fev. 2020.

______. MEC desiste de cortes em universidades por ‘bagunça’ e diz que todas sofrerão contingenciamento. Estadão, 30 abr. 2019b. Disponível em: https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-desiste-de-bloqueio-a-verbas-em-universidades-por-bagunca,70002811148. Acesso em: 13 fev. 2020.

JASPER, F. Não é só na Educação: o que você precisa saber sobre o bloqueio de verbas de Bolsonaro. Gazeta do Povo, 17 maio 2019. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/educacao-ministerios-bloqueio-corte-verbas-governo-bolsonaro/. Acesso em: 13 fev. 2020.

LIMA, P. Bolsonaro anuncia a Operação Lava Jato na Educação. Portal R7, 15 fev. 2019. Disponível em: https://noticias.r7.com/educacao/bolsonaro-anuncia-a-operacao-lava-jato-na-educacao-26042019. Acesso em: 11 fev. 2020.

MURAKAWA, F; ARAÚJO, C. Vélez quer alterar livros didáticos para “resgatar visão” sobre golpe. Valor Econômico, 03 abr. 2019. Disponível em: https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/04/03/velez-quer-alterar-livros-didaticos-para-resgatar-visao-sobre-golpe.ghtml. Acesso em: 12 fev. 2020.

PAUL, C; MATTHEWS, M. The Russian “Firehose of Falsehood” Propaganda Model: Why It Might Work and Options to Counter It. Santa Monica, CA: RAND Corporation, 2016 Disponível em: https://www.rand.org/pubs/perspectives/PE198.html. Acesso em 02 fev. 2020.

RUBIM, A. Espetacularização e Midiatização da Política. Comunicação e política: conceitos e abordagens. Salvador: Edufba, 2004

SCHWARTZENBERG, R. O Estado espetáculo: ensaio sobre e contra o star system em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977.

TREZZI, H. “Não é corte, é contingenciamento”, diz Mourão sobre redução de verba para universidades. Gaúchazh, 04 maio 2019. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/politica/noticia/2019/05/nao-e-corte-e-contingenciamento-diz-mourao-sobre-reducao-de-verba-para-universidades-cjv9lvqk200vh01pepal50omq.html. Acesso em: 13 fev.2020.