Grupo de pesquisa ligado à linha de Comunicação e Política do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná.

O ‘Observatório de Violência Política contra as Mulheres’ é apresentado à Frente Parlamentar Mista em audiência virtual

Por Ludi Evelin Moreira                                                                                      06/11/20

 

 

Fonte: TSE

Fonte: TSE

Segundo definição do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a violência política pode ser entendida como ‘a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, para impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas ou induzi-las a tomar decisões contrárias à sua vontade’. No âmbito da política partidária, esse conceito pode ser aplicado tanto às mulheres já eleitas quanto as candidatas a cargos eletivos. De acordo com instituições que monitoram esse tipo de violência, ela é uma das causas para a sub representação feminina nos espaços públicos de poder.

O assunto que tem ganhado cada vez mais notoriedade, devido à proximidade das eleições municipais, foi debatido virtualmente em audiência promovida pela Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos com Participação Popular, na última quinta-feira, 29. Transmitido ao vivo no Facebook do deputado federal Marcelo Freixo (PSOL), o evento contou com a participação de instituições sociais e da sociedade civil, bem como a presença de diversas deputadas da Bancada Feminina da Câmara dos Deputados, que foram oficialmente apresentadas ao Observatório de Violência Política contra as Mulheres, que conta com a participação de pesquisadoras e pesquisadores do CEL-UFPR. Atualmente, o vídeo da reunião conta com mais de seis mil visualizações.

TERRA DE DIREITOS

A primeira entidade a falar na audiência foi a Terra de Direitos¹, representada por Gisele Barbieri, que apresentou os resultados de uma pesquisa realizada em setembro deste ano sobre a violência política e eleitoral no Brasil. “Essa violência é usada para deslegitimar, causar danos, manter e obter benefícios e até mesmo violar direitos com fins políticos […] e são registrados com a permanência de impunidade muito grande”, explicou Barbieri.

Segundo os dados coletados pelo Terra de Direitos, a violência acontece em todos os estados brasileiros e esferas de poder, independente da sigla partidária. Isso demonstra que a violência política ultrapassa a habitual dicotomia partidária, devendo ser combatida por todas as instâncias do poder público em esforços suprapartidários.

Fonte: Terra de Direitos

Fonte: Terra de Direitos

Conforme demonstra o quadro acima, no que se refere à violência de gênero, as mulheres sofrem mais ofensas, chegando a 76%. Segundo a Terra de Direitos, as ofensas direcionadas às mulheres estão relacionadas principalmente ao racismo, à homofobia, à intolerância religiosa e, é claro, à misoginia.

Barbieri concluiu sua apresentação alertando para o que ela chama de ‘ameaça a democracia representativa’: “Essa violência precisa ser investigada de maneira contínua. Não são fatos isolados. Ela acaba interferindo na democracia e impedindo que grupos minoritários ou sub representados no sistema político acessem o poder”.

Uma das propostas de intervenção elaborada pelo Terra de Direitos aponta para a necessidade dos órgãos legislativos – a Câmara dos Deputados, o Senado e as Câmaras Municipais – implementarem mecanismos eficazes de apuração de denúncias, já que existem muitos casos de violência não-investigados. Além disso, os partidos políticos precisam proibir e sancionar internamente os membros que exerçam qualquer forma de violência política.

#MeRepresenta

ElCgQJeWMAMEA0OSegunda a falar, a diretora do #MeRepresenta², Evorah Cardoso, apresentou um novo canal online para denúncias de violência política batizado de “TRETAqui!”. O projeto, idealizado por várias entidades de defesa dos direitos humanos, tem por objetivo coletar denúncias de discursos de ódio e desinformação no campo da disputa eleitoral. Tudo isso de maneira fácil, anônima e gratuita.

“Nós estamos falando de marketing político-eleitoral que tem sido utilizado para ganhar votos. Não só por que alguém cometeu uma ofensa contra uma pessoa ou um grupo de pessoas, mas porque está se valendo desse tipo de propaganda eleitoral para benefício da sua própria campanha”, pontuou Cardoso. “O objetivo dessa plataforma é mapear quais candidaturas estão sendo atacadas e quais candidatos estão atacando”. A diretora ressaltou, ainda, que a maioria das denúncias recebidas pela plataforma foram de ataques machistas.

“QUEM SILENCIA, CONCORDA”

O bloco foi marcado pela participação de parlamentares da Câmara dos Deputados como a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), que demonstrou indignação contra a impunidade dos crimes políticos: “Nas eleições talvez esteja aparecendo agora, mas [eles] não é nova nos parlamentos. Temos ainda a responsabilidade de responder ao assassinato de Marielle Franco”, disse a política, mencionando o assassinato da vereadora pelo PSOL no Rio de Janeiro em 2018.

A coordenadora-executiva do Instituto Odara*, Valdecir Nascimento, chamou a atenção para um conceito pouco conhecido: o feminicídio político que, segundo matéria do Jornal El País, ‘parte da observação inquietante da nossa sociedade e o contexto sobre o qual ocorre a execução sumária de uma mulher com carreira ascendente na política’. “Associamos [o conceito] ao que aconteceu a Marielle Franco. Uma sociedade estruturada pelo racismo, pela violência de gênero, terá práticas de feminicídio cotidianas que não recebem o reconhecimento real [que precisam]”, pontuou Valdecir. “Quem silencia, concorda”.

Em seguida foi a vez de Roberta Eugênio, representante do Instituto Alziras³, apresentar uma pesquisa sobre o perfil das prefeitas brasileiras desenvolvida pela entidade, onde a violência política foi reconhecida como a segunda barreira de acesso e permanência das mulheres na política, perdendo apenas para a falta de recursos nas campanhas eleitorais. Segundo o levantamento feito entre 2016 e 2020, 53% das prefeitas brasileiras já reportaram ter sido vítimas de violência política, enquanto 60% acredita que o fenômeno está em crescimento.

A deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ), atual coordenadora da Frente com Participação Popular Feminista e Antirracista, chamou atenção para o avanço da política de ódio no país. “É fato que a democracia no Brasil é falha e incompleta e que retrocede a passos largos. […] É preciso que o Legislativo e o Executivo produza leis para que nós [mulheres políticas] possamos ser livres no nosso exercícios parlamentar. Não há democracia possível se não há o exercício livre desse fazer político, seja na eleição ou fora dela”, ressaltou Petrone.

OBSERVATÓRIO DE VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA AS MULHERES

A advogada e fundadora do grupo de pesquisa LiderA-IDP, Bianca Gonçalves, fechou o bloco das exposições teóricas ao apresentar o Observatório de Violência Política Contra as Mulheres para os parlamentares. Iniciativa conjunta entre a ONG Transparência Eleitoral Brasil, a rede internacional La Política es Cosa de Mujeres e os grupos de pesquisa CEL-UFPR, LiderA-IDP e Ágora-UFC, o projeto tem por objetivo compilar informações e acompanhar ações de combate e prevenção da violência política contra as mulheres em todas as fases de seu desempenho na política, englobando o momento anterior à decisão de se candidatar, durante a sua candidatura e eleição, assim como sua atuação parlamentar, tendo como recorte territorial o Brasil.

“Estamos iniciando a coleta [de dados] das eleições deste ano, mas [o Observatório] se proporá a continuar acompanhando não só as candidaturas como os mandatos parlamentares, seguindo para as próximas eleições. Ao final de cada etapa pretendemos lançar recomendações e divulgar esses dados no site da Transparência Eleitoral para que todos possam ter acesso”, explicou Bianca. Segundo a representante, a ideia é que o Observatório seja um projeto permanente realizado através da construção coletiva com a sociedade civil e entidades que queiram contribuir com a causa.

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Segundo Ana Claúdia Santano, que é pós-doutora em Direito Público e Eleitoral, coordenadora do Transparência Eleitoral e co-autora da iniciativa, não é mais possível ignorar a violência política de gênero enquanto fator jurídico. “Por ser uma violência que vem crescendo e que não foi objeto de maior prevenção, é importante que a legislação dê uma respostas àqueles que a promovem por meio de uma sanção. E, justamente por ser uma violência, não pode ser ignorada em suas consequências, pois a sua intensificação afasta as mulheres da política”, pontuou a pesquisadora.

Quando perguntada sobre de onde surgiu a iniciativa para criação do projeto, Santano ressaltou que tornar o tema mais conhecido colabora para a desnaturalização do fenômeno: “A mulher, com toda a sua diversidade, não pode continuar sendo vítima de homens que não conseguem – ou não querem – entender que a política é um espaço de todas e todos, e que diminuir as mulheres e suas capacidades somente devido ao seu gênero não deve ser tolerado dentro de uma democracia”.

O projeto foi lançado oficialmente no dia 8 de outubro deste ano, em uma reunião transmitida pelo canal do Youtube da ONG Transparência Eleitoral Brasil, e que contou com a participação da ex-ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Luciana Lóssio e a gerente de programas na América Latina do National Democratic Institute Andrea Fernandez. Durante a ocasião, ocorreu/aconteceu também o lançamento do livro “O Teto de Cristal da Democracia Brasileira: Abuso de Poder nas Eleições e Violência Política Contra as Mulheres”, escrito pela deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), convidada especial do Observatório. A transmissão completa do evento está disponível no Youtube e pode ser acessada aqui.
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¹ O Terra de Direitos é uma organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais.

² O #MeRepresenta é uma organização não-governamental que busca trazer representatividade para grupos minorizados na política.

³ O Instituto Alziras é uma organização não-governamental que desenvolve ferramentas para contribuir para o aumento da participação das mulheres na política.

* O Instituto Odara é uma organização negra feminista que visa superar em nível pessoal e coletivo a discriminação e o preconceito, bem como buscar alternativas que proporcionem a autonomia e inclusão sociopolítica das mulheres negras na sociedade.